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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

GRACIAS, ZÉ CLÁUDIO



Na 9ª Tertúlia Nativista de Santa Maria, em 1988, com 19 anos (eu jamais imaginava ganhar este festival um dia...), tive a oportunidade de ver e aplaudir em pé a composição "De Como Cantar Um Flete", letra de Gaspar Machado e melodia de Lúcio Yanel. No palco, dois gigantes: o próprio Lucio (que saiu do ginásio de ambulância, com uma isquemia cerebral transitória) e Zé Cláudio Machado. Por estas e outras, hoje agradeço ao mestre que nos deixa - e quem, por desventura, não conheci pessoalmente: Gracias, Zé Cláudio.
Abaixo, uma pequena homenagem diante da enormidade artística de Zé Cláudio.


Quantos cavalos quedarão sem garras?
Quantas guitarras em silêncio triste?
O próprio campo perderá seu gáudio
Porque Zé Cláudio já não mais existe.

Quantas cordeonas com seus foles rotos?
E quantos potros sem provar esporas?
Não mais milongas ternas em prelúdio
Porque Zé Cláudio já se foi embora.

Mas para sempre ficará o encanto
Daquele canto forte como um cerno –
É o Rio Grande em seu valor mais áureo
Porque Zé Cláudio já nasceu eterno.



terça-feira, 15 de novembro de 2011

QUANDO O RIO GRANDE CORRE PELAS VEIAS



"Quando o Rio Grande Corre Pelas Veias", milonga em parceria com Robson Garcia, foi a vencedora da XIX Tertúlia Nativista de Santa Maria.
Gracias Robinho, Juliano Moreno, Daniel Cavalheiro e Volmir Coelho, pela dedicação e brilhantismo no palco.
Gracias, Fernando, Mano, Modesto, Guto, Saccol, Diahy, Gadea,Bibiana, Caiaffo, Volmaris, pelo apoio.
Gracias, especialmente, a minha prenda, Cláudia Albornoz, que amo cada dia mais.
Abaixo, a letra:

QUANDO O RIO GRANDE CORRE PELAS VEIAS

Nalgum fundo de campo da fronteira
Um índio bem montado mira ao longe
E a pampa inteira cabe nos seus olhos
Repletos de coxilhas e horizontes.

Há muito de querência neste homem,
Há séculos de história escrita em versos
E a herança da Campanha se reflete
Na simples amplitude de seus gestos.

A singeleza de cevar um mate
E alçar a perna pra espiar estrelas
É a liturgia do ritual campeiro
Quando o Rio Grande corre pelas veias.

Nalgum fundo de campo da fronteira
Com a proteção sagrada do chapéu
Um índio afina as cordas da guitarra
Olhando a pampa comungar com o céu.

Sou eu o homem que bombeia ao longe
Repleto de coxilhas e distâncias;
O campo é minha razão, é minha essência,
Porque eu sou eu e minhas circunstâncias.



Foto: Cláudia Albornoz

terça-feira, 11 de outubro de 2011

A LIÇÃO DE MARTIM FIERRO


No último final de semana estive em Quaraí, quando da realização do II Canto ao Saladeiro, promovido pelo Piquete Manoel Luis Osório, onde classificamos duas músicas para a final e para compor o CD do evento: "Milonga Para Rio Negro", em parceria com Penna Flores (que foi defendida de forma brilhante por Alex Har), e "A Lição de Martim Fierro", parceria com Juliano Moreno, na voz de Robinho Garcia.
Para satisfação do grupo, conseguimos o terceiro lugar com esta última, da qual posto a letra abaixo.
Gracias a todos: Robinho, Alex, Cezar e Fabrício e Juliano e Penna pela parceria.
"A Lição de Martim Fierro" foi minha primeira parceria com Juliano Moreno, ainda no ano de 2004, e sua letra é baseada em uma estrofe do clássico de Hernandez:

"Yo he conocido cantores
Que era un gusto escuchar
Mas no quieren opinar
Y se divierten cantando
Pero yo canto opinando
Que es mi modo de cantar"

Parabéns a todos os participantes e sobretudo aos vencedores: Mario Eleú e Dudu Monteiro, com a belíssima "Mala Vazia" (em interpretação fantástica de Jean Kirchoff), Primeiro Lugar, e Domingos Dornelles e Jorge Abella, pelo Segundo Lugar com "Um Tempo Pra Mim".

Abaixo, a letra de "A Lição de Martim Fierro"

Sou dos que opinam cantando
Porque creio na palavra;
Semente de boa lavra
Floresce até no deserto.
O bom ginete, por certo,
Não roda nem se escalavra.

Sou de cantar opinando,
Não canto por diversão.
Na mesa onde falte o pão,
No rancho onde falte a sorte:
Aí cantarei mais forte
Meu canto com opinião.

Meu canto tem a crueza
Do verso em matéria bruta
Que se estende em reculuta
Pra destravar as tramelas
E abrir portas e janelas
Na ideia de quem me escuta.

A lição de Martim Fierro
É clara como uma luz
E se algum Sargento Cruz
Quiser seguir a meu lado
Basta fazer um costado
Pra estes versos que compus.

Quem canta por conveniência
Pensando só em agradar
Com medo de contrariar
Tantas vaidades alheias
Deixa que que botem maneias
E buçal no seu cantar.



quarta-feira, 31 de agosto de 2011

DIBUJOS DE DON FLORENCIO


Recebi o CD "Clube da Esquila", do Pirisca, de regalo da Mônica Boeira ( Gracias, Mônica! - http://twitter.com/#!/monicaboeira ); uma das faixas, "Dibujos de Don Florencio", do Cabo Deco, Pirisca e Tukano Netto, faz menção a Florencio Molina Campos, ilustrador argentino nascido em Buenos Aires, em 1891, e falecido na mesma cidade em 1959.


Florencio Molina Campos realizou sua primeira exposição na "Feria Ganadera de Palermo", em 1926: 61 telas e aquerelas com caricaturas, as quais vendeu todas. Com este sucesso, a Fábrica Alpargatas contratou-o para confeccionar seu almanaque no período de 1931-1936 e 1940-1945, constituindo a primeira pinacoteca argentina. Refletiu em sua obra temas da vida campeira argentina e dos gaúchos e "paysanos", temática que cultivou tanto em pinturas quanto em ilustrações e caricaturas. Seus trabalhos foram expostos em Paris, Nova Iorque e Los Angeles, tendo sido contratado por Walt Disney como Supervisor de seus desenhos animados em 1941. Ilustrou o "Fausto", de Estanislao del Campo (ver "Os Pioneiros").
Abaixo, algumas ilustrações do gênio.







Para visitar o site oficial: http://www.molinacampos.net




sexta-feira, 26 de agosto de 2011

OS PIONEIROS V


CLAUDIO MAMERTO CUENCA foi um dos pioneiros de uma classe que vem revelando, ao longo do tempo, autores de qualidade ímpar, do quilate de um Aureliano de Figueiredo Pinto ou de um Balbino Marques da Rocha: os médicos poetas.
Nascido em Buenos Aires em 30 de outubro de 1812, iniciou seus estudos médicos na Universidad de Buenos Aires em 1838, onde publicou a tese "Las Simpatias en sus Relaciones con la Fisiologia, Patologia y Terapeutica". Sua discrição em revelar-se como poeta fez com que sua obra fosse publicada apenas em 1861, nove anos após sua morte.
Foi médico pessoal de Rosas, participando da Batalha de Caseros; enquanto atendia dois feridos atrás do Monte Palomar, foi crivado de balas pelo Tenente-coronel León Pallejas e pelo Capitão Tomás Larrogoitía, em 3 de fevereiro de 1852. No bolso de seu jaleco, ao morrer, foi encontrado um poema intitulado "Mi Cara".
O poeta Heraclio Fajardo compilou e publicou suas "Poesias Completas" em três volumes, no ano de 1961.
Abaixo, trechos de "El Pampero":

De las brisas y vapores
de aquel solitario suelo,
tan inmenso como el cielo
que allá entredivisa el hielo
de los Andes relumbrar;
y de los hálitos vagos
de los espíritus magos,
que en sus llanuras sin lagos
deben sin rumo vagar;

y de la bruma y del aire,
de la templanza y del frío,
la sequedad y el rocío,
el misterio y el vacío
de la llanura del sud;
naces, pampero, cual nace
todo aquello que Dios hace,
cuando a los designios place
de su eterna rectitud.

Y como hijo de la pampa
que ocupa medio hemisferio
y extiende hasta allá su imperio
donde ciñe el cielo aerio
de los Andes la alba sien;
eres como ella un coloso,
inconmensurable, asombroso,
genio inculto y misterioso
nacido en silvestre edén.

(...)


Imagem: "Interior de una Pulperia" (1862), de Juan Leon Palliere, pintor e litógrafo brasileiro de origem francesa (1823-1887); nascido no Rio de Janeiro, aos 7 anos mudou-se com a família para Paris e, em 1855, para Buenos Aires, onde vive por 10 anos. Com viagens frequentes a Montevideo, foi um estudioso da vida do campo, tornando-se um verdadeiro historiador gráfico de uma época.

sábado, 13 de agosto de 2011

A VOZ DO PAI


Na postagem do Bahstidores (http://bahstidores.blogspot.com) sobre o Dia dos Pais, escrevi que jamais consegui compor um poema em homenagem a meu pai, Dr. Cidiney Garcia Marques D´Ávila, falecido em 1998: sua ausência é muito maior que minha poesia. Nem sempre, mestre Pessoa, o poeta é um fingidor.
Por isso, tomo de empréstimo os versos de Odilon Ramos para homenagear todos os pais neste domingo.
Um grande abraço!

A VOZ DO PAI
Odilon Ramos

O pai, em casa, era uma autoridade.
Dizia o que podia e o que não podia.
Determinava o certo e o errado.
A voz do pai era uma voz sagrada.

Grave, pausada para dar conselho.
Firme e bem forte pra passar as ordens.
A voz do pai sabia contar causos...
Causos que ouvira seu pai contar.

Era uma vez... e lá vinha uma história...
com bichos que falavam, gente que voava,
magos poderosos e casas assombradas.
E a gente, tão criança e inocente,
galopava na garupa da imaginação.

Quanta emoção a voz do pai nos transmitia.
À mesa, hora da janta, ninguém se servia
antes de ouvir o pai, rendendo graças.
E a família, reverente, olhos fechados,
ao fim arrematava num... amém.

E os versinhos que o pai dizia.
Ninguém sabia tantos quanto ele;
"Eu sabia tanto verso,
Eu sabia um sacho cheio,
As formigas me bateram,
Me deixaram pelo meio".

E às vezes... às vezes o pai cantava.
E o pai cantando era a cantiga mais linda que eu ouvi....
Modinhas, hinos, ternos "oilarai"... e a filharada fazia coro.
E cada um com sua voz queria imitar a voz do pai.

A voz do pai tocava os bois na canga:
Barroso!... cola branca!... êra boi!...
E chamava o cavalo no potreiro: "ô, ô, ô, ô".
E atiçava o cachorro nos gambás:
"fiu, fiu, fiu, fiu", pega, pega, pega...
E os bichos (até os bichos)
Conheciam e obedeciam aquela voz...

A voz do pai tinha hora pra tudo.
Pra dar uma risada de um causo bem contado.
Ou pra ralhar se a gente desleixava...
Barbaridade...
Quando aquela voz trovejava uma ameaça,
Fazia a gente estremecer de medo.
Talvez fosse melhor dizer: respeito.

A voz do pai só nunca soube se queixar de nada.
Gemer até podia, se a dor era muita.
Chorar, se permitia, pelo sentimento.
Mas um queixume, uma lamúria ou maldição,
Isso jamais se ouviu da voz do pai.

"A la pucha"...
Parece que foi ontem...
É tão viva a lembrança,
Que parece que ainda ouço tua voz,
Meu velho...

E às vezes, quando falo com o meu filho,
Dou rédea ao sentimento e o som que sai
Me faz escaramuçar o coração no peito...
Pois ouço, de mim mesmo, a voz do pai!

quarta-feira, 20 de julho de 2011

CENA RURAL V


A ideia inicial da série "Cenas Rurais", além de divulgar o excelente trabalho fotográfico de Cláudia Albornoz (minha prenda), é levar aos leitores e visitantes do blog um pouco do telurismo, do bucolismo e da simplicidade da Região da Campanha. Hoje, no entanto, abro uma exceção: os versos trazem a indignação com a inércia que tomou conta da Fronteira. Certamente que não estão à altura da foto, mas soam como um grito de alerta.
Gracias a todos.

Uma tapera esquecida
Pros lados da Caneleira
Parece o fiel retrato
Da situação da fronteira.

Um velho marco judiado
Meio com cara de sono
Completa o quadro real
De descaso e abandono.

Há quem diga que os bons ventos
Que sopram no Cerro Chato
Possam mudar a verdade
Pintada neste retrato.

Mas “quem sabe faz a hora” –
Já ensinava a canção –
Se um pingo passa encilhado
Não se perde a ocasião.

Erguer os olhos pro céu,
Braços cruzados, à espera,
Não vai tirar da fronteira
Seu destino de tapera.


Foto: Claudia Albornoz, região da Caneleira, Santana do Livramento/Rivera, maio de 2011
Versos: marcelo d´ávila, julho de 2011

domingo, 19 de junho de 2011

MEU VERSO CHIMARRÃO

"A vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e de fúria (...)" - William Shakespeare, McBeth, Cena V, Ato V


Nos dias 15, 16 e 17 de Abril, ocorreu na cidade de Bagé a 8ª Galponeira, no Parque do Gaúcho.
Um público expressivo compareceu ao local, prestigiando o evento que apresenteou alto nível nas composições, com participação de intérpretes como Pirisca Grecco, Marcelo Oliveira, Matheus Leal, Ita Cunha, Rafael Capistrano, Daniel Cavalheiro, entre outros.



Tive a honra, mais uma vez, de ter uma composição classificada para o CD: o Chamamé "Meu Verso Chimarrão", parceria com Juliano Moreno, levada ao palco de forma brilhante pelo Juliano, Érlon Péricles, Clóvis de Souza, Daniel Cavalheiro, Marcelinho Nunes e Clarissa Ferreira. A todos meu muchas gracias! E também meu agradecimento a Davi Teixeira, Rodrigo Tavares, Francisco Brasil, Fabinho Maciel e Betinho Teixeira.
Abaixo, a letra de "Meu Verso Chimarrão" e a foto do corpo de jurados.
Em tempo, "chimarrão" era chamado o gado selvagem, sem dono, nos primórdios do século.


É bem verdade que meu verso não tem marca
Pois traz o couro imaculado dos libertos;
É como um potro mal domado que se aparta
Do conformismo e da mesmice de outros versos.

Não tem no lombo aquele estigma do ferro
Que grava em brasa a assinatura de um patrão
Porque bem sabe que a essência de ser verso
É a liberdade plena de fúria e de som.

O verso é vida, o verso é vício e vice-versa,
É ave rara, um verde vale num deserto;
Verdade e dúvida, vertente, é descoberta
Que um verso livre é bem mais vasto que o universo.

E é deste jeito que meu verso não tem marca
Nem traz no couro a cicatriz dos compromissos
Talvez por isso seja um potro que se aparta
Dos que preferem outros versos, sem sentido.

Não tem no lombo aquele estigma do ferro
Que grava em brasa a assinatura de um patrão
Porque bem sabe que a essência de ser verso
É a liberdade plena de fúria e de som.



segunda-feira, 6 de junho de 2011

CADA MILONGA É UM CAMINHO


Neste final de semana, tive a honra de participar de mais um festival por este Rio Grande afora. "Cada Milonga é um Caminho" irá compor o CD do 1º Tropilha Crioula da cidade de São Borja. Parceria com Penna Flores, a milonga foi defendida no palco por Leonardo Sarturi. Gracias, parceiros.
Abaixo, a letra:

Cada milonga que eu faço
Tem um pedaço de campo:
Uma nesga de querência
Na essência do que canto.

Cada milonga que eu canto
Tem um tanto do meu pago:
A imensidão dos açudes
Nas inquietudes que trago.

Cada milonga que eu trago
Tem rastro antigo de tropa
E ecos de algum rodeio
Em bordoneios de coplas.

Cada milonga é uma copla
Que o vento sopra baixinho
Deixando acordes e versos
Dispersos pelos caminhos.

Cada milonga é um caminho
Que o pinho parte em pedaços
E reparte em tantas rondas
Cada milonga que eu faço.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

ORIGENS DA POESIA GAUCHESCA IV


A poesia pampeana, em suas origens platinas, deve muito de sua divulgação aos "bailes de rancho", onde figurava como letra das músicas que embalavam aquelas festas. Dentre estas, uma das mais populares era chamada "gato". Segundo Ventura Lynch ("El Gaucho - Grandes Obras de la Literatura Gauchesca", Ed Plus Ultra, Bs Aires)esta composição podia ser dividida em "gato simplemente", "gato con relaciones" e "gato correntino". No "gato simples", o guitarreiro canta uma copla de intervalo em intervalo, a qual os dançarinos acompanham sapateando; no "gato con relaciones", entre copla e copla, uma vez o homem diz um verso e na outra responde-lhe a dama.
Além do "gato", havia o "estilo", sobre os quais afirma Ventura Lynch: "A melodia dos estilos é interminável. Neles se encontra a inspiração, a ideia desenvolvida ao modo do gaúcho, prescindindo por certo de regras para expressar-se".
Após o "estilo", temos o "triunfo" e o "marote", em que as guitarras tocavam em ponteados. Como baile pitoresco, havia o "palito", com letras em geral maliciosas e mesmo obscenas. A bem da verdade, estes bailes só aconteciam entre grupos da mais íntima confiança. Em contrapartida, as "huellas" eram "um grito de alegria, um suspiro e um sorriso, uma lágrima e uma gargalhada" (Ventura Lynch). Outros bailes eram conhecidos por "pericon", onde se dançava quadrilhas; o "prado", em que homem e mulher ficavam frente a frente e, apenas começava a música, dançavam acenando seus lenços, até que o cantor entoasse "De vuelta mi vida", quando o homem recolhia os lenços e iniciava o sapateado; a "firmeza", mais antiga, em que, para Lynch, "tanto a música como a letra não tinham graça nenhuma"; e os mais conhecidos, como o "malambo" e a "milonga".Importada do Perú, veio a "zambacueca", e da região de Dolores, a "chacarera". Havia, ainda, a "media caña", os "aires", os "cielos", a "mariquita" e os "tristes".
Abaixo, uma pequena amostra de versos que embalaram estes bailes de rancho:

GATO

Si me quieres te quiero
si me amas te amo;
si me olvidas te olvido:
yo a todo me hago.

Si tu madre te manda
cerrar la puerta,
Hacé sonar la llave
dejála abierta.


TRIUNFO

Este es el truinfo, madre,
dueña del alma,
más quiero dulce muerte
que vida amarga.

No hay medida que mida
mi desventura,
ní amargor más amargo
que mi amargura.


HUELLA

Dicen que las muchachas
de quince a veinte
son iguales al dulce,
pican los dientes.

A la huella, la huella,
dame los dedos
como se dan las manos
los aparceros.


PALITO

El pobre palito enfermo
tiene ganas de comer
y el medico le receta
rabadilla de mujer,
así no más es.


CHACARERA

Bailecito que me gusta
es el de la chacarera,
porque le digo a las niñas
jugando, pero es de veras.

Chacarera me has pedido,
chacarera te he de dar,
porque tengo la costumbre
el no hacerme de rogar.


RELACIONES

Homem: - Sos chiquita y bonita
no tenés comparación
sos la hermana de la luna
y sos prima del sol.

Mulher: - Soy una paloma nueva
que ahora empieza a volar,
no me digan relaciones
porque no sé contestar.



Imagem: "Baile de Campo", de Pedro Figari Solari, pintor, advogado, político, escritor e jornalista uruguaio (Montevideo, 1861-1938)

quinta-feira, 21 de abril de 2011

MEDICINA E LITERATURA NO RGS


O texto abaixo foi publicado em Março de 2011 no site da RádioSul (http://radiosul.net), a pedido do amigo Leôncio Severo. Pela repercussão positiva que teve, publico também aqui no blog.

MEDICINA E LITERATURA NO RIO GRANDE DO SUL

No ano de 1987, Dante Ledesma levantou o público da 5ª Tertúlia de Santa Maria com a composição “Orelhano”, a qual acabou por tornar-se um clássico do cancioneiro gauchesco. Três anos depois, Maria Luiza Benitez erguia o troféu de primeiro lugar na 10ª Coxilha de Cruz Alta com a música “Açude”. De comum entre as duas obras, além da qualidade, o fato de suas letras serem compostas por médicos poetas: Mario Eleú Silva e Luiz Guilherme do Prado Veppo, respectivamente.
A relação entre medicina e literatura, que em âmbito mundial teve expoentes como Anton Tchecov, Sir Arthur Conan Doyle e Somerset Maugham, entre outros, também tem na Literatura Pampeana seus grandes nomes. Relação esta que começa já no século XIX, quando a mescla das “coplas” e “romances” espanhóis com o cancioneiro indígena e dos trabalhadores rurais e “gaudérios” (também chamados “guapos” ou “camiluchos”) da Região do Pratadá forma e início à Poesia Gauchesca: um de seus pioneiros foi Claudio Mamerto Cuenca (1812-1852), Major Médico do exército de Rosas na Argentina. No Rio Grande do Sul, o primeiro romance a ser publicado, em 1847, “A Divina Pastora”, também tinha um médico como autor: José Antônio do Vale Caldre e Fião.
Já no século XX, em 1915, é publicado o poemeto campestre “Antônio Chimango”, crítica ácida e muito bem-humorada ao então Presidente do Estado, Borges de Medeiros, com autoria de Amaro Juvenal, pseudônimo de Ramiro Fortes de Barcellos, nascido em Cachoeira do Sul em 23 de agosto de 1851 e graduado em Medicina no Rio de Janeiro. Barcellos foi, ainda, deputado provincial, Secretário da Fazenda, Ministro Plenipotenciário no Uruguai e senador da República; foi o criador da moeda “Cruzeiro” no ano de 1902.
Já nos estertores do século XIX, a 1º de agosto de 1898, nasce em Tupaciretã aquele que é, até hoje, um dos principais poetas sul-riograndenses: Aureliano de Figueiredo Pinto. Também graduado na capital fluminense, em 1931, no ano seguinte já clinicava em Santiago do Boqueirão, não por acaso conhecida como “Terra dos Poetas”. Referência imortal de toda uma geração de poetas gaúchos, Aureliano muitas vezes escrevia seus versos em folhas de receituários; organizados por Túlio Piva, deram origem ao livro “Romance de Estância e Querência”. Em 1957 participa, com outros oitenta e seis poetas, da fundação da Estância da Poesia Crioula. Um destes era Balbino Marques da Rocha, que assinava suas obras com o pseudônimo “Amigaço”. Cirurgião e ginecologista, natural de Santa Maria (16 de junho de 1915), Balbino foi o “herdeiro poético” de Ramiro Barcellos, por assim dizer, ao compor seu “A Estância de Dom Sarmento”, na mesma esteira satírico-crítica do “Antônio Chimango”. Mas seus versos não se limitaram à sátira, como bem exemplificam esta estrofe dos “Poemas Campeiros”: “Espicaçando em cruzadas, / caraguatás e alecrins, / meus cascos, como estopins, / estremeceram chapadas / nas distantes alvoradas / retinidas de clarins.”
Se a Poesia Gaúcha teve nestes monstros sagrados grandes exemplos de médicos e escritores, a Prosa não ficou atrás. Dois dos maiores expoentes do Romance Regionalista da Geração de 30 eram médicos e gaúchos, ambos fronteiriços de Quaraí: Cyro Martins, nascido em 5 de agosto de 1908 – autor da notável “Trilogia do Gaúcho a Pé” – e Dyonélio Machado, de 21 de agosto de 1895, autor, entre outros, de “O Louco do Caty”. A tradição de médicos gaúchos escritores chegou aos dias atuais com o genial Moacyr Scliar – recentemente falecido -, José Eduardo Degrazia, Celso Gutfreind, entre outros.
O advento dos festivais, a partir da Califórnia de Uruguaiana, também revelou o talento dos médicos poetas como compositores e letristas; desta vertente vem os já citados Luiz Guilherme do Prado Veppo e Mario Eleú Silva (cujo filho, Eduardo, é anestesista e músico de inspiração ímpar), e ainda Jaime Vaz Brasil, Antônio Carlos Boeira e Túlio Souza, este da nova geração.
No arremate destas linhas, deixo as últimas estrofes de “Chimarrão da Madrugada”, do mestre maior Aureliano de Figueiredo Pinto, do livro “Romance de Estância e Querência”, Editora Globo, 1959:

(...)”Ah! Sangue velho... Descubro
porque hoje estás de vigília:
- Dois séculos de Fronteiras.
de madrugadas campeiras,
de velhas guardas guerreiras
bombeando pampa e coxilha!

Por isso é que hoje não dormes!
Ouviste a voz de ancestrais:
-"O chimarrão principia!
Alerta! O campo vigia!
Da meia-noite pra o dia
Um taura não dorme mais...”


Foto: premiação da 10ª Coxilha Nativista de Cruz Alta

domingo, 10 de abril de 2011

CENA RURAL V




Rasgando a coxilha ao meio
Entre o pastiçal que medra:
É uma serpente espraiando
Seu esqueleto de pedra.

Quantos séculos de história
Em léguas de rocha bruta
Contando causos de guerra,
De batalhas e disputas.

Erguida por mãos escravas
Com sangue e calos nas palmas
Deixou fundas cicatrizes
Mais que no corpo, na alma.

É a história viva da Pampa
Encravada em suas entranhas
Cerca de Pedra ancestral
Na vastidão da Campanha




Foto: Cláudia Albornoz, Quaraí, Janeiro de 2010
Versos: marcelo d´ávila

sexta-feira, 8 de abril de 2011

OS PIONEIROS IV


Nascido em Buenos Aires em 6 de maio de 1809, JUAN MARIA GUTIÉRREZ estudou no Colegio San Carlos, onde demonstrou certa inclinação para as Ciências Exatas. Quase formou-se em Engenharia Civil, chegando a trabalhar por um tempo no Departamento Topográfico, mas acabou por estudar Direito, concluindo o curso em 1834. Já em 1832 incorpora-se ao movimento literário do Romantismo, fazendo amizade com Estebán Echevarria, Marco Avellaneda, Juan Thompson e outros. Foi um dos fundadores da "Asociación de Mayo", grupo político que combatia o governo de Don Juan Manuel de Rosas. Perseguido pelo poder central, viajou por Montevideo, Europa, Rio de Janeiro, Chile e Peru. Em 1852 retornou a Buenos Aires, onde foi nomeado Ministro no governo de Don Vicente Polez. Foi um dos Deputados Constituintes em 1853 e, em 1861, foi nomeado por Bartolomé Mitre Reitor da Universidade Federal. Faleceu em 20 de fevereiro de 1878, na cidade natal.
Abaixo, trechos de "A Mi Caballo" , tema tão caro aos poetas gauchescos:


Rey de los llanos de la patria mía,
mi tostado alazán; quien me volviera
tu fiel y generosa compañía
y tu mirada inteligente y fiera!

Has llorado por mi?, cuando otra mano
limpia el polvo a la crin de tus melenas,
recibes las caricias siempre ufano,
adviertes, alazán, que son ajenas?

Tu pobre dueño errante, vagabundo,
tan sólo de recuerdos he vivido
y en todos los caminos de este mundo
la imagen de la patria le ha seguido.

Patria es amor, es entusiasmo, es gloria
es el aliento de la vida humana,
la constante visión de la memoria,
el sueño de la noche y la mañana.

(...)



Imagem: "Caballo", de Angel Della Valle (Bs Aires, 1852-1903). Della Valle estudou na Itália com Antonio Cesare, retornando à Argentina em 1883. Notabilizou-se por pintar motivos rurais, como gaúchos, domas, os ranchos, a terra e a paisagem típicos da Pampa. Também retratou os "malones" e os índios do Prata.

quarta-feira, 30 de março de 2011

ALÉM DO MATE


Referência na música nativista na região da fronteira nos anos 80, o Grupo Os Andarilhos foi reformulado em 2008 por um de seus criadores, Clóvis de Souza. Acompanhando-o na nova composição, os músicos Gringo Otero, Waldir "Rato", Jefersom Rafaeal e Ederson Brochi. No mesmo ano, Os Andarilhos lançaram um novo trabalho discográfico, chamado "Carga Pesada". A faixa de número 13 é "Além do Mate", com letra minha e melodia do Clóvis.
Abaixo, a letra de "Além do Mate":

Que coisa linda
Se abraçar no pinho
E bordonear rasguidos
Com a luz da lua
A fazer as vezes
De candieiro antigo

Uma coruja pia
Em contraponto
Um sol em sustenido
Buscando um ninho
Embaixo das estrelas
Que lhe dê abrigo

Que coisa linda
Se abancar à sombra
De alguma figueira
Trançando rimas
Num sovéu de versos
Em ritual terrunho

É o catecismo
Dos poetas xucros
De alma galponeira
Que nos altares
De tantas tertúlias
Dão seu testemunho

Mas verso e pinho
Só terão sentido
Se semearem ânsias
De um novo tempo
Onde não falte erva
Pelos ranchos pobres

E além do mate
As bocas desnutritas
Sorvam a esperança
De que a palavra
Vale mais que o brilho
Enganador dos cobres

segunda-feira, 28 de março de 2011

ARGENTINO LUNA (1941-2011)



Na noite em que a lua cheia mostrou toda sua beleza, no ponto mais próximo da Terra, se fué Luna. Nascido Rodolfo Gimenez, em General Madariaga, foi um dos mais expressivos artistas do folclore platense.
Abaixo, colo seu poema "Palabras para mi Hija". Não é preciso dizer mais nada.

Hija si me caigo en el camino,
La muerte es una rodada...
Hija una cosa te pido...
Que me cuides la guitarra

Ella fue todo en mi vida,
Novia de mis noches largas
Con ella salí al camino
Para llenarme de magia
Con ella gané la ausencia
Sabiendo que me extrañabas

Pero al llegar de regreso
Puse estrellas en tu almohada
Me fui del niño hasta el hombre
Gané y perdí mil batallas
Peoncito de pocas letras,
Ella fué mi libro y mi aula

Andando por los caminos
Al recordarte lloraba
Y en algún pago lejano
Con ella me consolaba
Me cuidó del vino triste
Para que no me embriagara
Y bebió en mis alegrías
El vino de las distancias

Con ella vestí tu cuerpo
Pinté de blanco tu casa
Con ella te compré un libro
Para abrirte una ventana

Hija.... si anduve callao
No te faltó mi palabra
Aprendí que en los silencios
El ser encuentra la calma
Esto aprendí en los campos
En las noches de la pampa
Oyendo cantar al río
Sin decir una palabra

Entre tu mundo y mi mundo
Hay un mundo de distancia
Donde se acaba mi mundo
Empieza el de tu esperanza
Al tiempo no se lo ve
Pero se siente en la espalda
Yo voy con rumbo a la noche
Para vos comienza el alba

De las cosas materiales
Te dejo poquito o nada
Lo justo no será mucho,
No sobrará pero alcanza

Te dejo un camino recto
En dinero ni una deuda
Pagué todas las facturas
Que la vida me cobrara
Perdoné y me perdonaron
Con eso, con eso basta y alcanza

Ni más ni menos que nadie
Dudando entraré a la nada
Por eso quiero pedirte
No llores, no llores cuando me vaya
Piensa que me fui de viaje
Con un libro y la guitarra
Y que tardaré en volver
Porque esta gira es muy larga

Si quieres rezar por mí
Hija canta, canta
La ausencia es menos ausencia
Con una copla en el alma
Al partir te pido poco,
Mejor dicho casi nada
Hija, hija tan solo te pido
Que me cuides la guitarra.



Post dedicado a Jader Leal

sexta-feira, 25 de março de 2011

CENA RURAL IV




A natureza ensina
Na singeleza dos gestos:
E mesmo a quem tem a sina
De ter hábitos modestos
O campo não discrimina,
Não julga nem faz protestos
Feito as aves de rapina
Que vivem de comer restos.



Foto: Cláudia Albornoz, Estância do Madrigal.

Versos: marcelo d´ávila

domingo, 20 de março de 2011

POETAS GAÚCHOS I : LAURO RODRIGUES



Lauro Pereira Rodrigues nasceu em Santo Amaro do Sul no ano de 1918. Foi pioneiro ao criar e apresentar, com apenas 18 anos de idade, o primeiro programa radiofônico de atrações exclusivamente regionais, Campereadas, na Rádio Sociedade Gaúcha, programa que revelou para o Estado o cantor Pedro Raymundo.
Membro da Estância da Poesia Crioula, sua poesia, além do regionalismo, tem um forte viés de denúncia social e política, como provam os versos de "Aleluia", postados abaixo.
Eleito Deputado Federal pelo Rio Grande do Sul, Lauro Rodrigues morreu em 17 de dezembro de 1978, em um acidente náutico nas águas do Guaíba sob circunstâncias nunca esclarecidas.

ALELUIA

Velho pampa lendário de outras eras,
onde se erguem lúgubres taperas,
tripudiando quais flâmulas de luto:
nessas tardes de junho, ao sol poente,
parece-me que sinto o que tu sentes
quando o silêncio do teu campo escuto...

A brisa nas carquejas do varzedo,
chorando, confessa que tens mêdo
de enfrentar esta miséria atroz...
E na tristeza sem fim dos corredores
vibram hinos de brados e clamores
contra as algemas da canalha algoz...

Mas não percebes, decrépito campeiro,
que as rondas do abutre carniceiro,
grasnam sobre ti funéreo agouro;
que és o braço do ¨Gigante¨ que mendiga
e ¨deitado em berço explêndido¨ se obriga
a pedir pão sob um dossel de ouro?...

Esquece as condições de teu presente!
Larga o trôpego andar do indigente
e relembra o que fostes em tempos idos...
Deixa a tua lança, adormecida e quieta!
A guerra é de doutrinas... Vem! Desperta
que os dias de porvir serão vividos...

Pois, pressinto na fome de meu filho
que um vulcão de revolta aclara o trilho
por onde segue a procissão dos pais...
Desperta Rio Grande! Chama o Brasil
antes que a voz da bôca de um fuzil
não lhe consinta despertar jamais...

Pobre Pátria de vinte e tantas zonas
que tem no seu ventre o Amazonas
e agoniza de fome nas cidades...
Zôo de macacos galhofeiros,
plagiando o viver dos estrangeiros
desde o Batismo à Universidade...

Tenho pena de ti, - senzala branca! -
dessa coletividade honesta e franca
que de tanto esperar já desespera...
Tuas vísceras são campos de imundícies,
onde o vírus malsão das canalhices
se robustece, cresce e prolifera...

Enquanto isso, cérebros raquíticos,
- sanguessugas de pântanos políticos! -
fomentam leis que não trescalam nada...
Mas não tarda que a aurora do futuro
tinja de escarlete o céu escuro
dos párias desta estância abandonada...

Nesse dia, meu pampa, os teus heróis,
ostentando nas mãos raios de sóis
e cavalgando fagulhas celestiais,
virão beber na fúria dos motins,
o sangue nutrido nos festins
dos que colheram sem semear jamais...

E, então, o marco de uma nova era,
surgirá num ermo de tapera
substituindo o pedestal de imbuia,
para que o povo todo num só grito,
possa bradar da Terra ao Infinito:
ALELUIA!...ALELUIA!...ALELUIA!...

Post dedicado à família Ortaça: Rose, Pedro e Gabriel.

Imagem do livro "Senzala Branca", Editora 3 Chirus, Porto Alegre, 1958.

sexta-feira, 18 de março de 2011

OS PIONEIROS III


Estanislao del Campo nasceu em Buenos Aires a 7 de fevereiro de 1834, sendo neto por parte de pai do Vice-rei Nicolás del Campo, Marquês de Loreto. Sua vida tranquila, animada apenas pelo vício da leitura, mudou subitamente em 1853, quando da revolta encabeçada pelo Cel. Hilario Lagos, o qual marchou sobre Buenos Aires com suas tropas rebeldes. Estanislao, então, passou a participar ativamente da política, abraçando a causa do Gen. Mitre. Dedicou-se ainda ao jornalismo, colaborando nos jornais El Nacional e Los Debates.
Recebeu o posto de Capitão após as batalhas de Cepeda (23 de outubro de 1859) e Pavón (17 de setembro de 1861), chegando a Coronel na Revolução de Mitre (1874). Em 1864 casou-se com Carolina Lavalle, sobrinha do General. Foi funcionário público, jornalista, deputado e empreiteiro, falecendo na cidade natal em 6 de novembro de 1880.
Sua iniciação poética data de 1857, ano em que foram publicados alguns versos de cunho gauchesco com o pseudônimo de Anastasio el Pollo. Uma vez que este apelido remetia ostensivamente a Aniceto el Gallo, que havia feito famoso Hilario Ascasubi, a crítica e o público atribuíram a este os poemas publicados. Ascasubi veio a público, através do jornal El Orden, para desfazer o malentendido e saudar o autor verdadeiro dos versos.
Del Campo utilizou o pseudônimo para inovar no gênero pampeano, mesclando o regional e o universal em sua obra Fausto, em que "el gaucho Anastasio el Pollo da sus impresiones en la representación de esta ópera" e de onde transcrevo os trechos abaixo:

Como a eso de oración,
aura cuatro o cinco noches,
vide una fila de coches
contra el tiatro Colón.

La gente en el corredor,
como hacienda amontonada,
pujaba desesperada
por llegar al mostrador.

Allí a juerza de sudar
y a punto de hombro y codo
hice amigaso de modo
que al fin me pude afirmar.

Cuando compré mi dentrada
y dí guelta...Cristo mío!
Estaba pior el gentío
que una mar alborotada.

Era a causa de una vieja
que le había dao el mal...
- Y si es chico ese corral
a qué encierran tanta oveja?

- Ahí verá: por fin, cuñao,
a juerza de arrempujón,
salí como mancarrón
que lo sueltan trasijao.

Y para colmo, cuñao,
de toda esta desventura
el puñal, de la cintura,
me lo habían refalao.

(...)

Adiante, narrando ao amigo Laguna a peça em si, Anastasio el Pollo descreve a cena em que o Doutor Fausto faz seu pacto com o diabo:

(...)

Viera el Diablo! Uñas de gato,
flacón, un sable largote,
gorro con pluma, capote,
y una barba de chivato.

"Aqui estoy a su mandao,
cuento con un servidor" -
le dijo el Diablo al dotor
que estaba medio asonsao.

"Mi dotor, no se me asuste
que yo lo vengo a servir.
Pida lo que ha de pedir
y ordenemé lo que guste".

El dotor, medio asustao
le contestó que se juese ...
- Hizo bien: no te parece?
- Dejuramente, cuñao.

(...)

Abaixo, reprodução da capa da edição de 1866, em benefício dos hospitais militares bonairenses:

terça-feira, 15 de março de 2011

ORIGENS DA POESIA GAUCHESCA III


A COPLA

As coplas eram criações populares anônimas submetidas a uma constante reelaboração coletiva e transmitidas oralmente. Bruno C. Jacovella, em seu livro "Folklore Argentino", assinala os fatores ou as causas que permitiram a conservação e a "sobrevivência" destas formas populares:
a) A brevidade e a intensidade expressiva das coplas;
b) A facilidade de guardá-las pelo elemento mnemônico de suas rimas;
c) Sua divulgação através de almanaques;
d) A propagação através de viajantes;
e) A possibilidade de recompilá-las sem preparação prévia.

Essas coplas ficaram, com o tempo, a resguardo quase exclusivo dos homens de campo. Em geral, os que as recordavam pertenciam às classes mais humildes, e eram provenientes de antigas famílias americanas assentadas nas diferentes regiões da Argentina a partir dos séculos XVI e XVII. Este grupo se mesclou em sucessivas gerações - tal como afirma o historiador Guillermo Terrera - com os indígenas puros, formando o elemento "criollo" autêntico.

Abaixo, exemplos de coplas de autores anônimos, dos séculos XVII e XVIII:

Cantan los gallos al día,
yo canto al anochecer;
ellos cantan de alegría,
yo canto no sé por qué.

* * *

Pobre mi pingo que pasa
conmigo la noche al frío;
a mí no me compadezcas,
compadécelo a mi pingo.

* * *

La china que yo les digo
no es malacara ni zaina
y en mi pecho está metida
como cuchillo en la vaina.

* * *

Cuando agarro la guitarra
y la atravieso en mis brazos
en seguida me parece
que se acaban mis trabajos.

* * *

Se me han acabao las coplas
y voy a mandar traer;
en mi casa tengo un árbol
que de coplas se ha´e caer.


Fonte: "El Cancionero Sentencioso y Reflexivo", Maria Cristina Planas e Maria del Carmen Plaza. Buenos Aires, 1988

Imagem: pintura a óleo de Prilidiano Paz Pueyrredón, pintor e arquiteto argentino (1823-1870). Graduado no Instituto Politécnico de Paris, projetou a Mansão de Olivos, as reformas da Pirámide de Mayo e da Casa Rosada. Filho de J. M. Pueyrredón, conhecido como "El Prócer de la Independencia".

domingo, 13 de março de 2011

SOS SÃO LOURENÇO


A cidade de São Lourenço do Sul, onde se realiza um dos principais eventos de música nativista - o Reponte da Canção - foi atingida recentemente por um enxurrada sem precedentes, deixando mais de 15.000 desabrigados. Testemunhos de quem esteve por lá ou manteve contatos com seus habitantes dão conta de que a situação é pior do que vem aparecendo na mídia. Barcos e animais ainda são retirados dos telhados de prédios de 2 ou 3 andares.
A comunidade artística sulriograndense vem ponteando uma campanha em prol do município, o SOS SÃO LOURENÇO - amplamente divulgada pela rede mundial de computadores - através de doações e shows solidários. Compositores e cantores como Zeca Alves, Fabricio Marques e Antônio Guadalupe Jr disponibilizaram trabalhos fonográficos para venda, com a doação da totalidade dos valores arrecadados para a comunidade lourenciana. De minha parte, estou enviando 50 exemplares de meu livro de contos (imagem abaixo), com o mesmo objetivo.
No Estado inteiro surgem postos de arrecadação de donativos:
PORTO ALEGRE - Crioulo Remates, Rua Eça de Queiroz 959 - Petrópolis
SANTA CRUZ DO SUL - Faculdade Dom Alberto
PELOTAS - Unimed Pelotas e Loja Gaúcho e Prenda
SANTANA DO LIVRAMENTO - Movilcor Livramento (com Hidelbrando)


Foto de São Lourenço: Nauro Júnior - ZH

quarta-feira, 9 de março de 2011

CENA RURAL III



Partiu um homem campeiro,
Mais um que morreu na lida:
Se na vida foi ginete,
Gineteou-lhe a própria vida.

Ficou no galpão da estância
Junto a uns recuerdos guardados
Um banco a esperar por ele
E os arreios pendurados.

Parece que o sol da tarde
Vem lhe fazer companhia
Iluminando o galpão
Pro mate do fim do dia.



Foto: Cláudia Albornoz, Janeiro de 2010
Versos: Marcelo D´Ávila

sábado, 5 de março de 2011

UM CANTAR PRA CENAIR


No ano de 1990, o músico uruguaio Miguel Villalba lançou em LP seu trabalho "Mi Viejo", com clássicos do cancioneiro latinoamericano - "KM 11", "Los Ejes de MI Carreta" e a composição que deu nome ao disco, entre outras. Também havia quatro faixas inéditas, "Fronteiriça" (vencedora da 4ª Tropeada de Livramento, em 1989), "Por Que Canto", "Noites de Pinho e Luar" e "Um Cantar pra Cenair", todas letras minhas com melodias do Miguel. Como homenagem ao grande Cenair Maicá, posto abaixo o poema de "UM CANTAR PRA CENAIR":

Calou tua voz missioneira
Que tantas vezes cantou,
Que tanta vez encantou
Pelas rondas galponeiras
E a guitarra companheira
Sentindo a dor do abandono
Chora a ausência de seu dono
Sabendo que já partiste
E entoa milongas tristes
Para velar o teu sono.

As águas do teu batismo -
O rio da tua mocidade -
Se revestem de saudade
Transbordando o gauchismo
E um cântico de lirismo
Com cheiro de Cabriúva
Respinga em gotas de chuva
A regar tuas sementes:
É um lamento de Corrientes
Às terras de Tucunduva.

Os campos de M´Bororé
Se agrandaram na distância
Te vejo na Grande Estância
Num galpão de Santa Fé
A matear junto a Sepé
O amargo da eternidade
Mostrando pra humanidade
Com a guitarra e a lança
O braseiro da esperança
E a chama da Liberdade!


Para baixar "Um Cantar Pra Cenair" e as demais composições de "Mi Viejo", LP de Miguel Villalba, em: http://www.4shared.com/file/Rz0imDuq/MIGUEL_VILLALBA_-_MI_VIEJO.htm

quinta-feira, 3 de março de 2011

ORIGENS DA POESIA GAUCHESCA II


Coplas, romances e canções de autores desconhecidos andavam profusamente pelos campos, serranias e selvas do antigo Vice-reinado do Rio da Prata. Para sua criação contribuíram, em primeira instância, os espanhóis, e, depois, os indígenas e ainda os negros. A influência espanhola, por sua vez, teve origem na Arábia, na Pérsia, no Império Bizantino, na Índia. Também os ciganos têm sua participação nos primórdios. De qualquer forma, os indígenas do Prata - calchaquís e guaranís, particularmente - aportaram muito de sua cultura.
O naturalista Félix de Azara já fala de cantores populares que, acompanhados de guitarra - ou charangos - cantavam coplas. Concolorcorvo, no seu já citado Lazarillo de Ciegos Caminantes, afirma haver ouvido cantar durante suas andanças algum changador, ou gauderio, ou guapo, ou camilucho - todos nomes coloniais do GAUCHO, trabalhador das antigas vaquerías.
Também se pode citar José Espinosa y Tello, que veio com sua expedição à América do Sul em 1794: descrevendo os guapos, diz: "...cantam umas raras seguidilhas que chamam Cadena ou El Perico, ou ainda o Mal-Ambo, acompanhados de uma desafinada guitarra. O talento do cantor é fundamental para ser bem recebido em qualquer parte e obter comida e hospedagem..."


Fonte: Poesia Gauchesca e Nativista Rioplatense, Álvaro Yunque, Buenos Aires, 1952
Imagem: Pintura a óleo de Emeric Essex Vidal, marinheiro, desenhista e pintor inglês (1791-1861); visitou a América entre 1814 e 1837, testemunhando, através de suas pinturas, os costumes dos países visitados.

terça-feira, 1 de março de 2011

ORIGENS DA POESIA GAUCHESCA I


A poesia tradicional no Prata e em toda a América remonta aos dias de conquista e colonização. Vem, em espanhol, dos velhos romances e das antigas canções dos séculos XVI e XVII, ainda com ecos do século XV; transmite a substância lírica dos villancicos e das coplas, e a épica dos cantares heróicos e cavaleirescos e se funde, em cada região, com as correntes da vida criolla (costumes, sensibilidade) e adquire uma fisionomia própria, um caráter local. A poesia gauchesca é posterior em quase três séculos; recebe da poesia tradicional uma porção considerável de ideias e sentimentos, mas tem identidade própria. Se apodera de um novo cenário, que é o campo aberto, e de um tipo novo, o gaúcho, e firma em ambas as fontes a razão de sua existência. Apesar das diferenças entre a poesia tradicional e a gauchesca, deve-se reconhecer também que, no aspecto formal, ambas têm uma notável semelhança na linguagem, caracterizada pelo predomínio do arcaísmo e das formas prosódicas vulgares, e a identidade do verso octassílabo e da estrofe, típicos da copla e do romance espanhol.
Embora não exista documentação abundante e segura, pode-se estabelecer suas origens no último terço do século XVIII. São os dados dos costumes que descreve Concolorcorvo em 1773 acerca dos campeiros coloniais, que ele chama gaudérios, em seu Lazarillo de Ciegos Caminantes (imagem). Estes rústicos, gozadores da vida, cantam e se fazem acompanhar da guitarra. Esta amostra de poesia campesina que nos oferece Concolorcorvo é espelho do sentimento pessoal e rústico de um meio primitivo.

Fonte: "La Poesia Gauchesca - Antologia Desde Sus Orígenes", Edición Especial de Octubre de 2002, Ediciones Quevedo, Buenos Aires.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

PRA QUEM MORRE DE A CAVALO


A música "Pra Quem Morre de a Cavalo", parceria minha com Wolmar Penna Flores, participou do 21º Grito do Nativismo de Jaguari. Defendida no palco por Ângelo Franco, rendeu a Samuca a premiação como melhor instrumentista do festival. Na foto, Jean Kirchoff, melhor intérprete e primeiro lugar com "Namorado das Rimas", de Ramires Monteiro.
Abaixo, a letra de "Pra Quem Morre de a Cavalo":

Quando a morte arma seu laço
Num tiro justo nos tocos
Morrer em cima dum pingo
É honra dada pra poucos.

Fazer campa do lombilho
De uma encilha lindaça
E uma coroa trançada
Com os tentos do doze braças.

Quem, por campeiro e ginete,
Morre agarrado ao sovéu
Num buenas-noites pra terra
Sobe a cavalo pro céu.

A altivez do último gesto
Na mão que segura o freio;
Quem morre sobre um cavalo
Vai pro céu parar rodeio.

E quando pingo e ginete
Se irmanam na mesma morte
É que a tava do destino
Caiu clavada na sorte.

Uma ossamenta velada
Pela luz dos pirilampos:
Cavalo e homem plantados
No ventre fértil dos campos.


Para baixar "Pra Quem Morre de a Cavalo" e as demais composições do 21º Grito do Nativismo:
http://camara.jaguari.rs.gov.br/?page_id=195

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Cena Rural II



O sol é nesga de brasa
Mergulhado em poesia
Quando a tarde vem pras casas
Fechando a barra do dia.

As cores de campo fora
Complementam a pintura
Do dia que vai embora
Tendo a pampa por moldura.

O céu se pilcha de prata
E a noitezita se assanha
Neste quadro que retrata
O entardecer de campanha.


Foto de Cláudia Albornoz, Estância do Madrigal, janeiro de 2010
Versos meus, em homenagem à autora.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Os Pioneiros II


Hilario Ascasubi nasceu em Fraile Muerto, Córdoba, em 14 de janeiro de 1807, durante uma viagem de carreta que faziam seus pais. Na juventude viajou pela França, Portugal e Inglaterra, embarcado num navio português. De volta à Argentina, foi editor e jornalista. Entre 1830 e 1832 acompanhou o Gen. Lavalle em suas campanhas militares, sendo feito prisioneiro em 1832 no Forte de Buenos Aires, de onde fugiu para Montevideo. Na capital uruguaia atuou como comerciante e militar. Retornou a Bs Aires em 1875, falecendo em 17 de novembro deste mesmo ano. Em 1872, reuniu em 3 tomos toda sua obra: Santos Vega o los mellizos de la flor; Paulino Lucero e Aniceto el Gallo.
Em carta enviada a Ascasubi em 1859, Estanislao del Campo (em breve n´os Pioneiros) escreveu: "usted arranca de la sien laureada del "Vate de la Pampa" la rica corona que le ciñó el genio para adornar con ella la humilde frente del pobre versista (...)".
Abaixo, trechos de "Santos Vega, el Payador" (Canto 3);

Luego, después de ensillar,
al chifle, lo que montaron,
otro beso le pegaron
y salieron a la par;
y, después de caminar
cinco leguas de un tirón
cruzaron un cañadon
y por ultimo llegaron
a un rancho donde se apiaron
cerca de San Borombón.

Aunque de facha tristona
era el rancho, en la ramada
con cuero estaba colgada
media res de vaquillona;
porque la Juana Petrona
era algo regaloncita,
y desde esa mañanita
esperaba a su marido
que con el recién venido
cayeron de tardecita.

Desensilló el forastero
y del palenque al bragao
Rufo lo echó acollarao
al campo con un overo;
de ahí le acomodó el apero
del cantor en un rincón;
y, ansí que hirvió, se pusieron
a tomar un cimarrón
y luego para el fogón
a la caldera acudieron.
(...)

domingo, 13 de fevereiro de 2011

EIS O HOMEM


Muita gente me pergunta sobre a epígrafe do blog, um verso de Marco Aurélio Campos no poema Eis o Homem. Em homenagem aos leitores do blog e, especialmente, a meu avô, Seu "Nenê Domingues" (falecido em 1988), quem me ensinou o poema e, sobretudo, o apego às coisas da Pampa, publico Eis o Homem na íntegra:

Brotei do ventre da Pampa,
que é Pátria na minha Terra.
Sou resumo de uma guerra
que ainda tem importância.

Diante de tal circunstância,
segui os clarins farroupilhas
e, devorando coxilhas,
me transformei em distância.
Sou tipo que, numa estrada,
só existe quando está só.
Sou muito de barro e pó.
Sou tapera, fui morada.

Sou velha cruz falquejada
num cerne de coronilha.
Sou raiz, sol farroupilha,
renascendo estas manhãs.
Sou o grito dos tahãs
voejando sobre a coxilha.

Caminho como quem anda
na direção de si mesmo.
E, de tanto andar a esmo,
fui de uma a outra banda;
Se a inspiração me comanda,
da trilha logo me afasto
e até sementes de pasto
replanto pelas vermelhas
estradas velhas, parelhas,
ao repisar no meu rastro.

Sou a alma longa e tão cheia
como os caminhos que voltam
quando as saudade rebrotam
substituíndo os espinhos
que, à perda de alguns carinhos
antigos, velhos aprontes,
nasceram muitos, aos montes,
desta minha vida aragana,
nesta andança veterana
de ir destampando horizontes.

Eu sou a briga de touros
no gineceu do rodeio.
Impropério em tombo feio
quando um índio cai de estouro.
Sou o ruído que o couro
faz ao roçar no capim.
Sou tim-rim-tim-tim
da espora em aço templado.
Trago o silêncio, guardado,
do pago dentro de mim.

Fazendo vez de oratório,
sou cacimba destampada,
de boca aberta, calada,
como à espera do ofertório;
como vigília em velório,
nesse jeito que é tão seu:
tem muito de terra... É céu
que a gente sente ajoelhando
e, de mãos postas, levantando
o pago inteiro para Deus.

Sou o sono do cusco amigo
meio dentro do borralho.
Sou as vozes do trabalho,
no amor, na paz - sou perigo.
Sou lápide de jazigo
perdida nalgum potreiro.
Sou manha de caborteiro,
sou voz rouca de acordeona
cantando, triste e chorona,
um canto chão brasileiro.

Sou a graxa da picanha
na bexiga enfumaçada.
Sou sebo de rinhonada
me garantindo a façanha.
Sou vozerios de campanha
que nos lançantes se somem.
Sou boi-ta-tá, lobisomem.
Sou a santa ignorância.
Sou o índio sem infância
que, sem querer, ficou homem.

Sou o Sepé Tiarajú,
o Uruguai, rio-mar azul.
Sou o cruzeiro do sul,
luz e guia do índio cru.
Sou galpão, charla, e chirú
de magalhanicas viagens.
Andejei por mil paisagens,
sem jamais sofrer sogaço.
Cresci juntando pedaços
de brasileiras coragens.

Sou, enfim, o sabiá que canta,
alegre embora sozinho.
Sou gemido de moinho
num tom tristonho que encanta.
Sou o pó que se levanta,
Sou terra, sangue, sou verso.
sou maior que a história grega.
Eu sou Gaúcho, e me chega
pra ser feliz no universo.


Marco Aurélio Campos

A imagem é do LP TELURISMO, onde foi gravado o poema na década de 1980.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

O General de Duas Pátrias


Conhecido como "General de Duas Pátrias", Aparício Saraiva (ou Saravia) foi figura importante e controversa na historiografia pampeana, participando das revoluções políticas dos séculos XIX e XX no Rio Grande do Sul e Uruguai. Do "Partido Blanco" uruguaio, sua tropa era a única, no Rio Grande, que, lutando ao lado dos "maragatos" (notabilizados pelo lenço vermelho), usava lenço branco.
O vídeo postado ao lado traz a composição "De Duas Pátrias", parceria minha com Juliano Moreno, campeã do 8º Canto sem Fronteira, na cidade de Bagé (gracias Juliano, André Kovalick, Daniel Cavalheiro e Robson Garcia - na foto acima).
Abaixo, a letra:

DE DUAS PÁTRIAS

"Caudillo blanco" forjado a ponta de lança,
Foi ordenança, "cabo viejo" e general;
Com Gumercindo peleou em noventa e três,
A uma só vez, riograndense e oriental.

Hay lenços brancos nas fileiras maragatas -
Índios do Prata tendo a guerra por ofício.
Vai na vanguarda o General de Duas Pátrias
E na culatra umas novilhas pro munício.

Marcham valentes nos caminhos da fronteira,
Rumo à Rivera sem temer o sacrifício,
De peito aberto, ouvindo o vento que assopra
Alguma copla em honra a Dom Aparício.

Em Masoller trançaram aço com aço
Quando um balaço disparado pela raiva
Pôs fim ao homem, mas criou um novo mito
No último grito de Aparício Saraiva.

O poncho velho que em tantas noites escuras
Foi armadura na barbárie das batalhas
Agora cobre o corpo inerte do guerreiro
Num derradeiro e terno abraço de mortalha.


Mais informações sobre Aparício Saraiva: http://es.wikipedia.org/wiki/Aparicio_Saravia

Para a letra e o vídeo de "De Poncho Blanco", com Tabare Etcheverry: http://www.letras.com.br/tabare-etcheverry/de-poncho-blanco

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Os Pioneiros I


A ideia de "Os Pioneiros" é divulgar o trabalho dos autores que primeiro escreveram sobre as coisas terrunhas na Grande Pátria Pampeana (RS-Uruguai-Argentina). Começo com Bartolomé Hidalgo, nascido em Montevideo em 24 de agosto de 1788 e morto de tuberculose em Caserio de Morón, em 28 de novembro de 1822, "en la oscuridad y la pobreza". Hidalgo foi um autodidata, não tendo cursado educação formal. Em 1820 começou a escrever seus "Cielitos patrióticos", de estilo gauchesco, que ele mesmo vendia nas ruas. Para Juan Maria Gutiérrez, Hidalgo foi o "primeiro poeta gauchesco", opinião semelhante à de Martiniano Leguizamòn ("Hidalgo es el primer poeta criollo del Rio de la Plata").
Abaixo, alguns de seus "Cielitos":

Los chanchos que Vidoget*
ha encerrado en su chiquero
marchan al son de una gaita
echando al hombro un fungeiro.
(...)

Vidoget en su corral
se encerró con sus gallegos
y temiendo que le pialen
se anda haciendo el chancho rengo.
(...)

Cielo de los mancarrones,
ay!, cielo de los potrillos,
ya brincarán cuendo sientan
las espuelas y el lomillo.
(...)

Cielito, cielo dichoso,
cielo del Americano,
que el cielo hermoso del Sud
es cielo más estrellado.

*Gaspar de Vigodet: governador da cidade de Montevideo

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Bando


O Grupo Tambo do Bando, surgido na década de 1990, foi uma das manifestações artísticas mais criativas e originais que já pisaram os palcos dos festivais. Composto por Vinícius Brum, Carlos Cachoeira, Texo Cabral, Marcelo Lehman e Beto Bolo e idealizado por seu principal letrista, o gênio Sérgio Metz Jacaré, falecido em 1996, o Tambo do Bando não permitiu meios termos: em sua proposta vanguardista, ou angariou fãs incondicionais ou desafetos. Particularmente, fico no grupo dos primeiros. Depois do Tambo, não vimos mais nada de tão original aparecer.
Na foto, a premiação da 11ª Moenda, junto com Ivo Fraga, com a composição Muito Além da Pasárgada, de Vinicius Brum e Jaime Vaz Brasil (outro de seus letristas recorrentes).
Abaixo, a homenagem ao grupo em meu poema O BANDO:


Ando tão em desencanto
vez em quando,
gastando chumbo em chimango,
bebendo a canha do santo.
Já não me bastam os tangos,
os chamamés com o Chango
nem me chegam os malambos,
os huaynos
com seus charangos.
Nem os versos de Aureliano –
que espanto! –
me acomodam no meu canto;
muito menos acalantos
ou mantras em esperanto.

Quando fico neste banzo
não vejo outro remédio
que ouvir o Tambo do Bando
exorcizando esse tédio.

São assim os meus princípios
porque assim a vida é:
os acordes de Vinicius
nos versos de Jacaré.

Para baixar músicas do Tambo, em http://musicagpd.blogspot.com/2009/10/tambo-do-bando-ingenuos-malditos.html

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Cena Rural I


"Cena Rural" é uma série composta por fotografias feitas por Cláudia Albornoz (minha prenda) na Campanha, sempre acompanhadas de algum texto em verso ou prosa.
Nesta, os versos são de Jorge Chagra, musicados por Nicolás Toledo e imortalizados por Los Chalchaleros:

Sapo de la noche, sapo cancionero,
Que vives soñando junto a tu laguna.
Tenor de los charcos, grotesco trovero,
Estás embrujado de amor por la luna.

Yo sé de tu vida sin gloria ninguna;
Sé de las tragedias de tu alma inquieta.
Y esa tu locura de amor a la luna
Es locura eterna de todo poeta

Sapo cancionero:
Canta tu canción,
Que la vida es triste,
Si no la vivimos con una ilusión.

Tú te sabes feo, feo y contrahecho;
Por eso de día tu fealdad ocultas
Y de noche cantas tu melancolía
Y suena tu canto como letanía.

Repican tus voces en franca porfía;
Tus coplas son vanas como son tan bellas.
¿no sabes, acaso, que la luna es fría,
Porque dió su sangre para las estrellas?.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Pra começo de conversa.

Bueno, pra começo de conversa, publico um conto inédito, escrito em 2009. Espero que gostem...





TRUCO DE MANO
   

    Andavam roubando gado pras bandas de Santa Rita.
    Por estes tempos eu changueava de alambrador na Estância da Ilha, de propriedade do doutor Próspero. Homem correto, respeitador, mandou me chamar no galpão onde à tardinha costumava matear com os outros peões campeiros. Decerto ouvira falar dos meus dotes de valentia. Na verdade, exageros que corriam de boca em boca dos dois lados das barrancas do Uruguai.
    Pois pedia o doutor que eu montasse guarda na invernada, de tocaia aos maulas abigeatários. Um par de dias antes o capataz dera com os espólios de uma rês carneada ali mesmo, a uma ou duas léguas da Casa Grande. Outro problema, explicou o patrão, era que a invernada ficava ao lado de um corredor tido por assombrado pela peonada. Ninguém, por macanudo e taura que fosse, aceitava o encargo de tocaiar os bandidos.
    Missão dada, missão paga – aprendi ainda em praça no Segundo Regimento João Manoel, aquartelamento de São Borja. Ademais, nunca fui de recusar serviço. E aquilo de roubar o gado alheio me botava fora das estribeiras. Por estas razões, aceitei o trabalho. Sem falar ao patrão dos desconfortos no peito, aqueles agulhaços que vinham puando o costado do coração há bem umas quantas semanas. Poderia parecer recusa. Ou, ainda pior, covardia. Em Livramento, certa feita, me disse um doutor que era mesmo o coração: tantos anos de palheiro e carne gorda um dia iam cobrar seu preço. E já não sou nenhum gurizote recém saído dos cueiros. Me receitou uma pastilhinha pra botar embaixo da língua quando o batedor começasse a corcovear. Mas, bueno. O fato é que escondi isso do patrão, dei de mão nos meus trecos e fui acampar na invernada.

* * *

    Quem nunca passou uma madrugada de agosto a campo aberto na Campanha não sabe o que é sentir frio. O vento uiva nos ouvidos e parece que correm lâminas de gelo por dentro dos ossos. La pucha! Um índio tem que ser guapo pra agüentar o Minuano!
    Naquele breu de fundo de campo, o poncho de lã correntina não dava conta de abater o frio. Logo de saída não quis fazer fogo: se minha missão era de tocaia, uma fogueira ali seria sinal de alerta. Mas lá pelas duas da matina, quando o Minuano gemeu com força e o frio tomou corpo, não tive alternativa: juntei uns galhos de Sarandi e ali no mais prendi a fogueira. Se por um lado eu revelava minha posição, por outro servia para intimidar a eventual presença dos bandidos. E, mesmo contra a recomendação do doutor de Livramento, abri uma branquinha de Santo Antônio pra aquecer a goela.
    Não sei se foi o frio, a solidão, a canha. Só sei que começou de novo aquele puaço no peito, um aperto, um potro: coração redomão corcoveando, querendo rebentar a soga. O peso dos cinqüenta e pico de vida. Bem vivida, diga-se de passagem.
    Foi antes de botar a tal pastilha na boca que ouvi os passos chegando perto, quebrando o pasto ressecado pela geada.

* * *

    Ladrão de gado não podia ser: não seria tão burro de chegar assim de peito aberto, sujeito a levar um balaço. Tampouco ia se achegar solito. Pelas dúvidas, dei de mão no berro que trazia na guaiaca e me pus em guarda.
    Louvado seja nossosenhorjesuscristo, disse de lá o vivente. Pra sempre amém, respondi de onde me encontrava, sem tirar os olhos do homem e a mão do trinta-e-oito. Oigalê, sujeito esquisito! Do chapéu de aba larga até o chão devia ter quase dois metros; magro como um pau de virar tripa; e branco! A pele parecia feita de leite, contraste com a noite escura que se realçava pelos fachos intermitentes da fogueira.
    Se é amigo se achegue e tome um trago, emendei, fazendo questão de mostrar o cano da arma e de esconder o desconforto no peito. Ele tinha um semblante muito calmo, e foi logo sentando junto ao fogo. Disse que era um andante e vira o lume da fogueira. Que o frio estava de renguear cusco, e que nenhum gaúcho de verdade iria lhe negar o conforto do calor de um fogo. Hay ladrões de gado por estas bandas, expliquei, como a justificar minha presença naquele descampado. Respondeu que ouvira falar, andava de estância em estância atrás de serviço e numa ou noutra se comentava sobre isso, eu sabia como era.
    Tinha uma charla buena o vivente. Àquela altura, cheguei a gostar de ter companhia numa madrugada gelada de agosto, num fundo de campo.

* * *

    Os primeiros galos ainda não haviam começado sua cantoria quando o assunto foi mermando. A garrafa já quase se esvaziara, e a dor no peito agora era só um leve tirão.
    Com naturalidade, o paisano meteu a mão na mala de garupa e dela tirou um baralho espanhol, as cartas reluzindo de novas: truco?
    Por que não, respondi, afinal o caso era passar o tempo.
    Antes de dar as cartas, fez uma pausa e falou num tom grave, pela primeira vez: não jogo às brincas.
    Vale o quê?, perguntei. Não tenho plata, e do meu schimite não me desfaço, como qualquer mensalista de Missiones. 
    Não se apoquente, companheiro: não jogo por dinheiro, e na hora certa vosmecê há de saber o valor da minha aposta.
    Botei aquelas palavras estranhas na conta da branquinha de Santo Antônio e topei a parada.
    Na primeira volta o índio já botou Envido. Calavera, pensei. Mas este bagual aqui não foi criado campo fora por acaso, muito menos se criou na timba pra correr de chambão. Botei-lhe um Real Envido e a noite foi ficando linda!

* * *

    Flor a Flor, Truco a Truco – o jogo ia parelho!
    E dê-lhe Retruco e Vale-quatro!
    Empardados nos tentos, chegou a última mão. Uma nesga de ferro em brasa no horizonte já anunciava que a noite vinha parindo o dia. E os galos.
    Meu parceiro deu as cartas, em silêncio. Procurei em seu rosto qualquer traço de emoção, fosse por cartas buenas, fosse por cartas malas. Nada. O homem era uma campa.
    Virou Bastos na amostra. La fresca! Olhei pras cartas que tinha comigo: três e cinco de Espadas; quatro de Bastos.
    Nem esperei direito e já fui cantando

Su nombre no era Floduarda
Ní tampoco Florentina
 Su nombre era Floribela
 Ay, cuna! Que Flor de China!


e olhando com cara de vitória pro outro – uma Flor de 37! -, que não mexia um fio de cabelo. E então, esboçando um sorriso de leve, sibilou por entre os lábios: Contra-flor e o resto!
    Aquilo decidia a partida! O jogo de maior valor ganhava a aposta, fosse ela qual fosse.
    Cartas no chão, contamos os pontos. Ele tinha o Perico, um seis e um quatro de Ouro: 37 pontos!
    Foi de mano!
    Trinta e sete a trinta e sete!
    Ganhaste na regra do jogo, ele me disse depois de um pequeno momento de reflexão. Apertou minha mão num cumprimento formal – e foi quando percebi que sua pele era ainda mais fria que o vento da madrugada.
    Depois, como se nunca estivesse andado por ali, virou as costas e foi embora.


* * *

    De manhãzita retornei à estância.
    Rebuliço da peonada no galpão.
    Aos atropelos, me contaram dos corpos achados perto do açude, ainda quentes. Eram os ladrões de gado: estranho era que não tinham marcas de bala ou faca, nem mesmo de qualquer tipo de violência. Mortos, apenas.
    Então entendi a aposta que tinha ganho algumas horas antes.
    E nunca mais senti dor alguma a corcovear no peito.







Buenas e me espalho...

... como diria o capitão Rodrigo Cambará. Mas a intenção não é dar de prancha nem de talho, grandes ou pequenos. Apenas trocar ideias sobre a Grande Pátria Sulina, seus costumes, histórias, cultura. E mostrar um pouco do que faço nesta área. Quem quiser acompanhar, é só dar o "Ó de Casa!" e bolear a perna...