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quinta-feira, 21 de abril de 2011

MEDICINA E LITERATURA NO RGS


O texto abaixo foi publicado em Março de 2011 no site da RádioSul (http://radiosul.net), a pedido do amigo Leôncio Severo. Pela repercussão positiva que teve, publico também aqui no blog.

MEDICINA E LITERATURA NO RIO GRANDE DO SUL

No ano de 1987, Dante Ledesma levantou o público da 5ª Tertúlia de Santa Maria com a composição “Orelhano”, a qual acabou por tornar-se um clássico do cancioneiro gauchesco. Três anos depois, Maria Luiza Benitez erguia o troféu de primeiro lugar na 10ª Coxilha de Cruz Alta com a música “Açude”. De comum entre as duas obras, além da qualidade, o fato de suas letras serem compostas por médicos poetas: Mario Eleú Silva e Luiz Guilherme do Prado Veppo, respectivamente.
A relação entre medicina e literatura, que em âmbito mundial teve expoentes como Anton Tchecov, Sir Arthur Conan Doyle e Somerset Maugham, entre outros, também tem na Literatura Pampeana seus grandes nomes. Relação esta que começa já no século XIX, quando a mescla das “coplas” e “romances” espanhóis com o cancioneiro indígena e dos trabalhadores rurais e “gaudérios” (também chamados “guapos” ou “camiluchos”) da Região do Pratadá forma e início à Poesia Gauchesca: um de seus pioneiros foi Claudio Mamerto Cuenca (1812-1852), Major Médico do exército de Rosas na Argentina. No Rio Grande do Sul, o primeiro romance a ser publicado, em 1847, “A Divina Pastora”, também tinha um médico como autor: José Antônio do Vale Caldre e Fião.
Já no século XX, em 1915, é publicado o poemeto campestre “Antônio Chimango”, crítica ácida e muito bem-humorada ao então Presidente do Estado, Borges de Medeiros, com autoria de Amaro Juvenal, pseudônimo de Ramiro Fortes de Barcellos, nascido em Cachoeira do Sul em 23 de agosto de 1851 e graduado em Medicina no Rio de Janeiro. Barcellos foi, ainda, deputado provincial, Secretário da Fazenda, Ministro Plenipotenciário no Uruguai e senador da República; foi o criador da moeda “Cruzeiro” no ano de 1902.
Já nos estertores do século XIX, a 1º de agosto de 1898, nasce em Tupaciretã aquele que é, até hoje, um dos principais poetas sul-riograndenses: Aureliano de Figueiredo Pinto. Também graduado na capital fluminense, em 1931, no ano seguinte já clinicava em Santiago do Boqueirão, não por acaso conhecida como “Terra dos Poetas”. Referência imortal de toda uma geração de poetas gaúchos, Aureliano muitas vezes escrevia seus versos em folhas de receituários; organizados por Túlio Piva, deram origem ao livro “Romance de Estância e Querência”. Em 1957 participa, com outros oitenta e seis poetas, da fundação da Estância da Poesia Crioula. Um destes era Balbino Marques da Rocha, que assinava suas obras com o pseudônimo “Amigaço”. Cirurgião e ginecologista, natural de Santa Maria (16 de junho de 1915), Balbino foi o “herdeiro poético” de Ramiro Barcellos, por assim dizer, ao compor seu “A Estância de Dom Sarmento”, na mesma esteira satírico-crítica do “Antônio Chimango”. Mas seus versos não se limitaram à sátira, como bem exemplificam esta estrofe dos “Poemas Campeiros”: “Espicaçando em cruzadas, / caraguatás e alecrins, / meus cascos, como estopins, / estremeceram chapadas / nas distantes alvoradas / retinidas de clarins.”
Se a Poesia Gaúcha teve nestes monstros sagrados grandes exemplos de médicos e escritores, a Prosa não ficou atrás. Dois dos maiores expoentes do Romance Regionalista da Geração de 30 eram médicos e gaúchos, ambos fronteiriços de Quaraí: Cyro Martins, nascido em 5 de agosto de 1908 – autor da notável “Trilogia do Gaúcho a Pé” – e Dyonélio Machado, de 21 de agosto de 1895, autor, entre outros, de “O Louco do Caty”. A tradição de médicos gaúchos escritores chegou aos dias atuais com o genial Moacyr Scliar – recentemente falecido -, José Eduardo Degrazia, Celso Gutfreind, entre outros.
O advento dos festivais, a partir da Califórnia de Uruguaiana, também revelou o talento dos médicos poetas como compositores e letristas; desta vertente vem os já citados Luiz Guilherme do Prado Veppo e Mario Eleú Silva (cujo filho, Eduardo, é anestesista e músico de inspiração ímpar), e ainda Jaime Vaz Brasil, Antônio Carlos Boeira e Túlio Souza, este da nova geração.
No arremate destas linhas, deixo as últimas estrofes de “Chimarrão da Madrugada”, do mestre maior Aureliano de Figueiredo Pinto, do livro “Romance de Estância e Querência”, Editora Globo, 1959:

(...)”Ah! Sangue velho... Descubro
porque hoje estás de vigília:
- Dois séculos de Fronteiras.
de madrugadas campeiras,
de velhas guardas guerreiras
bombeando pampa e coxilha!

Por isso é que hoje não dormes!
Ouviste a voz de ancestrais:
-"O chimarrão principia!
Alerta! O campo vigia!
Da meia-noite pra o dia
Um taura não dorme mais...”


Foto: premiação da 10ª Coxilha Nativista de Cruz Alta

domingo, 10 de abril de 2011

CENA RURAL V




Rasgando a coxilha ao meio
Entre o pastiçal que medra:
É uma serpente espraiando
Seu esqueleto de pedra.

Quantos séculos de história
Em léguas de rocha bruta
Contando causos de guerra,
De batalhas e disputas.

Erguida por mãos escravas
Com sangue e calos nas palmas
Deixou fundas cicatrizes
Mais que no corpo, na alma.

É a história viva da Pampa
Encravada em suas entranhas
Cerca de Pedra ancestral
Na vastidão da Campanha




Foto: Cláudia Albornoz, Quaraí, Janeiro de 2010
Versos: marcelo d´ávila

sexta-feira, 8 de abril de 2011

OS PIONEIROS IV


Nascido em Buenos Aires em 6 de maio de 1809, JUAN MARIA GUTIÉRREZ estudou no Colegio San Carlos, onde demonstrou certa inclinação para as Ciências Exatas. Quase formou-se em Engenharia Civil, chegando a trabalhar por um tempo no Departamento Topográfico, mas acabou por estudar Direito, concluindo o curso em 1834. Já em 1832 incorpora-se ao movimento literário do Romantismo, fazendo amizade com Estebán Echevarria, Marco Avellaneda, Juan Thompson e outros. Foi um dos fundadores da "Asociación de Mayo", grupo político que combatia o governo de Don Juan Manuel de Rosas. Perseguido pelo poder central, viajou por Montevideo, Europa, Rio de Janeiro, Chile e Peru. Em 1852 retornou a Buenos Aires, onde foi nomeado Ministro no governo de Don Vicente Polez. Foi um dos Deputados Constituintes em 1853 e, em 1861, foi nomeado por Bartolomé Mitre Reitor da Universidade Federal. Faleceu em 20 de fevereiro de 1878, na cidade natal.
Abaixo, trechos de "A Mi Caballo" , tema tão caro aos poetas gauchescos:


Rey de los llanos de la patria mía,
mi tostado alazán; quien me volviera
tu fiel y generosa compañía
y tu mirada inteligente y fiera!

Has llorado por mi?, cuando otra mano
limpia el polvo a la crin de tus melenas,
recibes las caricias siempre ufano,
adviertes, alazán, que son ajenas?

Tu pobre dueño errante, vagabundo,
tan sólo de recuerdos he vivido
y en todos los caminos de este mundo
la imagen de la patria le ha seguido.

Patria es amor, es entusiasmo, es gloria
es el aliento de la vida humana,
la constante visión de la memoria,
el sueño de la noche y la mañana.

(...)



Imagem: "Caballo", de Angel Della Valle (Bs Aires, 1852-1903). Della Valle estudou na Itália com Antonio Cesare, retornando à Argentina em 1883. Notabilizou-se por pintar motivos rurais, como gaúchos, domas, os ranchos, a terra e a paisagem típicos da Pampa. Também retratou os "malones" e os índios do Prata.